Estou sentada de baixo da figueira. Os mosquitos atacam a
minha pele como se estivessem esfomeados. Odeio mosquitos, mas desta vez não me
importo. O cheiro que paira por o ar é o cheiro da tranquilidade, da paz.
Cheira-me a relva molhada e a figos. Combinação perfeita. Não sei porque gosto
tanto do cheiro dos figos, não gosto de come-los.
Olho para o céu e este está perfeito. O típico céu de fim de
tarde. O dia está a terminar e dentro de casa consigo ouvir a minha família a
falar. Não consigo entender o que dizem, de facto, não me importa.
Do outro lado da vedação oiço o som da água, e dos miúdos a
rir.
Sinto o rabo molhado, deve ser por a relva ter acabado de
ser regada, mas mais uma vez, não me importo.
Oiço o portão abrir e é o meu irmão quem entra. Traz às
costas uma sombrinha de praia e a toalha pendurada num ombro. Sorri-me e
diz-me:
– Que estás aí a fazer?
– Nada.
O que estava a fazer?! De facto, não estava a fazer nada.
Estou apenas a aproveitar o tempo que me resta. Amanhã por esta hora já não
estarei aqui.
– Nádia! – Oiço a minha mãe a chamar-me.
– Sim? – Respondo.
– Anda tomar banho.
Finalmente chegou a minha vez.
Levanto-me e calço os meus chinelos de dedo. Abandono o meu
lugar preferido no mundo e dirijo-me à porta de entrada, passando por o pátio
que já se encontra com a mesa para o jantar. A minha família adora jantar ao ar
livre. Eu também.
Entro dentro de casa e tudo o que vejo são objetos de praia.
Entro na sala e deparo-me com os mais velhos a ver televisão. A Ana e o Pedro
estão sentados num sofá já com o banho tomado e o meu irmão está deitado na
minha cama. Está a dar os morangos com açúcar.
– Nuno, estás a encher-me a cama de areia! – Grito-lhe.
O meu irmão limita-se a olhar-me e a rir. É tão lindo.
– Vais tomar banho? – Pergunta-me.
– Vou. – Respondo-lhe ao colocar-me de joelhos no chão para
tirar a roupa que vou vestir nesta noite da minha mala de viagem.
Sinto uma aragem nas costas como se alguém passasse rápido
de mais por mim. Olho para a cama e o meu irmão já não está lá.
– Nuno! – Grito.
Tento alcança-lo mas é escusado, é mais rápido que eu.
– Esperas só um bocadinho maninha. – Diz-me ao fechar-me com
a porta da casa de banho na cara.
Passo por a cozinha e vejo a minha mãe e a minha madrinha a
fazer o jantar. Sento-me numa das cadeiras e fico a observa-las.
– Então o teu irmão roubou-te o lugar? – Pergunta-me a minha
madrinha com um sorriso nos lábios.
Encolho os ombros e faço que sim com a cabeça.
Fico ali sentada por uns minutos e o meu irmão finalmente
sai da casa de banho. Levanto-me da cadeira com as roupas na mão e passo por
ele.
– Estúpido! – Digo-lhe.
Irrita-me tanto. Amo-o tanto.
Entro na casa de banho e o vapor paira no ar. Dispo o meu
macacão novo que se encontra molhado da relva e de seguida o bikini. Sinto a
areia na pele. Sinto-a a arranhar-me cada centímetro. Entro na balheira e ligo
a água quente. Supostamente. O meu querido irmão acabou com a água quente.
Obrigadinho Nuno.
Saio mais rápido do que entrei. Mas estranhamente, soube-me
bem. Visto-me e abro a porta para sair.
Não está ninguém dentro de casa. Oiço risos lá de fora.
Estão todos no pátio a jantar.
– Chegou a princesa. – Diz-me o meu irmão quando me sento no
meu lugar.
Olho-o com um olhar matador e digo-lhe: – Acabas-te por a
água quente, otário.
– Nádia! – Ralha-me a minha mãe.
– É verdade. Chegou depois de mim e ainda me roubou a água
quente.
O meu irmão mostra-me a língua e dedica-se a descascar o
camarão que tem nas mãos. O meu padrinho faz anos, e como tal, o jantar é um
pouco mais elaborado.
As piadas saem fluidamente da boca do meu padrinho e toda a
gente se ri. O homem é fantástico, sempre pronto a divertir os outros.
Quando toda a gente acaba de jantar, o meu padrinho
dedica-se a fazer-me truques de magia com cartas. Nunca entendi como ele faz
aquilo, mas a verdade é que era fascinante.
Para mim, tudo o que acontecia naquele sítio era fascinante.
Aquele lugar fascinava-me. As gaivotas logo por a manhã fascinavam-me. O cheiro
do pão quente quando acordava fascinava-me. O sabor do café a passar por a
minha língua fascinava-me. Oh, o café da minha madrinha… Não há nada igual.
De facto, não há dias iguais aos que passei naquele lugar.
Acabou-se tudo isso. Mas as recordações são como fotografias que guardo num
sítio muito especial, o meu coração.
Bons 14 anos.
Armação de Pêra.
Saudades.
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